4 de Set, 2020 Crises que criam oportunidades para inovação, qualificação e novos caminhos.
... Estima-se que 16 milhões de pessoas perderam suas vidas e que outras 21 milhões ficaram feridas na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Além das mortes em campos de batalha, guerras geram miséria e fazem muitas vítimas indiretas. O sofrimento e os desafios gerados pela Primeira Guerra Mundial levaram o ser humano a criar soluções que, mais tarde, viriam a beneficiar toda a humanidade. Em 1917, a Kimberly-Clark passou a empregar, na fabricação de enchimento para curativos cirúrgicos, uma substância composta pela polpa da celulose que era cinco vezes mais absorvente do que o algodão e custava metade do preço. Enfermeiras da Cruz Vermelha trabalhando nos campos de batalha logo se deram conta da utilidade do produto na higiene íntima feminina. Em 1920, menos de dois anos após o final da guerra, chegou às lojas nos Estados Unidos o primeiro absorvente íntimo da história.
Desde meados do século 19, muitos vinham experimentando combinações de colchetes, fivelas e fechos no vestuário para encontrar uma forma simples e fácil de aumentar a proteção contra o frio. Gideon Sundback, um sueco radicado nos Estados Unidos, foi quem criou um inusitado “fecho sem grampos” que deslizava prendendo entre si duas fileiras de dentes metálicos — o hoje prosaico zíper. Os militares americanos incorporaram o mecanismo a uniformes e botas e, depois da Primeira Guerra Mundial, a novidade passou a ser utilizada também pela população civil. O aço inoxidável foi criado em 1913 pelo inglês Harry Brearley na cidade inglesa de Sheffield. Os militares britânicos estavam tentando encontrar um metal mais adequado para armas, já que o calor e a fricção produzidos pela passagem das balas enferrujavam os canos dos artefatos. O aço inoxidável foi usado em motores na Primeira Guerra Mundial e dali em diante tornou-se indispensável na fabricação de facas, garfos e instrumentos hospitalares.
Em 1939, ano em que estourou a Segunda Guerra Mundial, o matemático britânico Alan Turing desenvolveu uma máquina capaz de decifrar mensagens criptografadas dos nazistas. Em 1943, o invento de Turing já era responsável por decodificar, a cada mês, cerca de 84 mil mensagens emitidas pelo alemães. Essa inovação contribuiu para acelerar o fim da Segunda Guerra e salvou milhões de vidas. Além disso, a máquina de Turing estava baseada em um modelo teórico que foi posteriormente aplicado ao desenvolvimento dos computadores. Apesar de não ter sido inventada durante a Segunda Guerra Mundial, foi durante esse trágico evento que a penicilina passou a ser produzida em massa pela primeira vez, com o objetivo de tratar milhões de pessoas de doenças como a sífilis, que faziam vítimas em batalhões do mundo todo.
Precisamos, neste momento de grave crise que estamos vivendo, lutar unidos e de forma responsável contra a Covid-19, e uma das “armas” a utilizar é a inovação.
Ainda é cedo para saber quais inovações advirão dessa crise. Dentre as numerosas iniciativas positivas e proativas que já podem ser mencionadas, destacam-se as realizadas pelas empresas de educação que passaram a oferecer seus cursos gratuitamente ou a preços reduzidos por um período de tempo determinado. Num país em que a carência educacional é das poucas unanimidades, iniciativas como essas são importantes para que possamos sair da crise ao menos com um pouco mais de conhecimento e, consequentemente, mais capacitados para a nova realidade.
Nesse contexto, chama a atenção a iniciativa da Startse, que está oferecendo o Programa de Capacitação para a Nova Economia. É interessante entender por que cerca de 40 mil participantes cadastraram-se para aprender sobre os novos modelos de negócios, os perfis dos profissionais da nova economia, as novas métricas usadas para mensurar resultados e as novas tecnologias e para saber como as empresas incumbentes podem transformar seus negócios. Se atualmente o Brasil é o décimo país do mundo em número de startups, esse programa pode ajudar a fomentar ainda mais o surgimento de novos negócios, contribuindo para mitigar os efeitos adversos previstos para a economia. E, ainda que esses reflexos negativos não se concretizem integralmente, esse conhecimento pode fomentar iniciativas mais inovadoras nas empresas incumbentes ou simplesmente abrir novas perspectivas de funcionamento do mundo corporativo.
Diversas outras práticas inovadoras também já podem ser mencionadas. Na saúde, a plataforma Corona BR ajuda a identificar a pertinência da ida de uma pessoa a um posto de saúde e localiza o que está mais próximo. O g.co/emcasa tem ferramentas e recursos reunidos pelo Google para ajudar as pessoas a manterem uma rotina saudável e conectada durante o isolamento. No Cíngulo estão terapias guiadas que ajudam a combater ansiedade, estresse e insegurança decorrentes do momento. Na área de cultura e lazer, várias instituições abriram seus sites para apreciação do público, com ópera, música clássica, museus e notícias combinadas com lazer.
A lista é extensa. As escolas, tradicionais ou de cursos livres, passaram a produzir conteúdos online em diferentes formatos e certamente irão aprimorá-los ao final da crise. E, indo além, poderão futuramente disponibilizá-los para outros públicos — e quão benéfico seria para os jovens de periferia ter acesso ao conteúdo das escolas particulares de elite? Restaurantes, supermercados e todos os tipos de varejistas passaram subitamente a usar canais digitais, seja criando sites, cadastrando-se em aplicativos de entrega ou interagindo com seus clientes por ferramentas como o WhatsApp. Na área de saúde, a telemedicina, antes refreada por regras e restrições, avançou rapidamente como alternativa para mitigação de risco de contágio. O desenvolvimento de medicamentos e vacinas está sendo acelerado. Em cada área, numerosos casos de inovação proliferam.
Na linguagem das startups, as empresas fizeram um grande MVP (minimum viable product) das tecnologias e de seus usos e estão fazendo o product-market-fit em grande escala. E, como tal, muitas iniciativas vão perdurar, enquanto outras vão perecer. Os conselhos de administração terão um grande trabalho pela frente, avaliando os impactos — tanto as oportunidades advindas da Covid-19 quanto os riscos. Dentre essas ameaças, de que forma todos esses novos dados coletados estão sendo — e serão — tratados, especialmente frente a uma vindoura Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)? E como ainda poderão ser usados para extrair ainda mais valor para a empresa?
Carla Camargo Leal, Francisco Deppermann Fortes e Thomas Brull são membros da Comissão de Inovação do IBGC.